sábado, 8 de janeiro de 2011

UNIÃO ATRAVÉS DE COMUNHÃO








Kokichi Kurosaki

É com profunda tristeza que reconhecemos o quanto dividida a igreja hoje se encontra! Embora cada uma de suas muitas secções não ouse abertamente se declarar a única verdadeira eclésia (termo traduzido por “igreja” na edição portuguesa das Escrituras Sagradas), ainda assim muitas delas agem como se fossem de fato o único corpo de Cristo. Estas seitas e denominações, a maior parte sem nenhum escrúpulo ao “roubar” ovelhas de outros rebanhos, parecem estar mais preocupadas em converter homens a seu próprio grupo do que a Cristo.
Para acabar com a confusão atual e mostrar como os cristãos podem viver como um em Cristo, é necessário redescobrir o verdadeiro centro do cristianismo.

O centro do cristianismo ao longo da história

Quando Jesus ascendeu para estar com o Pai, pediu-lhe que enviasse o paráclito, o Espírito Santo. Depois disso, a vida dos discípulos se uniu àquela do seu Senhor ressurreto pela habitação do Espírito neles, e passaram a viver uma vida de koinonia (palavra grega que significa “comunhão”) com ele e com todos os outros crentes. O centro da vida de fé para os discípulos não era o batismo, os ensinamentos dos apóstolos, o partir do pão e as orações de casa em casa, as maravilhas e os sinais que se seguiam. Tudo isso era importante para a igreja primitiva, porém não o centro de sua fé, que se achava no Cristo. Sua união viva com ele era o centro de suas vidas e, por conseguinte, da eclésia.
Não havia cargos na eclésia, mas funções reconhecidas com base nos dons que o Espírito distribuía entre os que criam. A autoridade nesta igreja não era legal ou institucional; tinha, antes, uma base espiritual, percebida pela convicção do Espírito no coração dos homens.
Os cristãos na idade apostólica nunca pensaram em fazer de uma organização institucional o centro da eclésia, nem em colocar o serviço humano ou a autoridade terrena no lugar da atividade e autoridade do Espírito no meio deles.
Quando Constantino, no início do século IV, transformou o cristianismo em religião oficial do império, favoreceu o desenvolvimento de um sistema institucionalizado que se tornou mais e mais centralizado, até que o bispo romano foi constituído “Pai” de toda a Igreja romana. A autoridade imperial, derivando seu poder, a partir de então, da união política e eclesiástica, podia declarar cristão e membro da igreja institucional todo e qualquer cidadão do estado. Como resultado disso, a verdadeira natureza da eclésia, como o corpo vivo de Cristo, se perdeu nesta instituição religiosa, agora apenas um corpo legal regido por deliberações eclesiásticas em vez de pelo Espírito. A fé, como as leis do estado, foi reduzida a um credo, formulado para ser lembrado pelos membros comuns da igreja. Aqueles que não aceitavam o credo, como os que não obedeciam à lei, eram declarados hereges e punidos.
Quando o cristianismo foi transformado em tal instituição legal, não se podia esperar mais que a comunhão, ou koinonia, com Deus e com Cristo fosse o centro da eclésia. A eclésia espiritual foi substituída pela igreja terrena institucional cujo centro era o Papa. Nesta igreja a comunidade de cristãos não era mais o corpo de Cristo que mantém união vital com ele, e Cristo não era mais o cabeça que governa seu corpo, a eclésia.
Com o estabelecimento da igreja institucional, a adoração a Deus em espírito e em verdade morreu e foi substituída por adoração ritual e formal. Não mais podiam ser aplicadas aos cristãos as palavras de João: que “a unção [do Espírito] que dele recebestes permanece em vós, e não tendes necessidade de que alguém vos ensine, mas, como a sua unção vos ensina a respeito de todas as coisas...” (1 Jo 2.27). Os membros da igreja agora eram ensinados apenas pelos oficiais ordenados pela Igreja. Esta era a Igreja Romana, que insistia que fora da sua comunhão não poderia haver salvação e que, como instituição, tornou-se o centro do cristianismo.
Com o advento do Protestantismo, porém, o Papa romano e a instituição romana perderam sua posição como centro exclusivo do cristianismo. As Escrituras passaram a lhes fazer concorrência. Em virtude dos conflitos violentos daqueles primeiros tempos da Reforma, foi natural que os reformadores procurassem a segurança de um padrão objetivo para enfrentar o poder político-eclesiástico aparentemente ilimitado de Roma. Substituindo o Papa, a Bíblia se tornou o centro do cristianismo nas igrejas protestantes.
A redescoberta por Lutero da grande doutrina bíblica de “salvação por fé somente” foi um dos maiores eventos da história humana. No entanto, tornou-se necessário, agora no protestantismo, como ocorreu no catolicismo, fazer uma distinção bem clara entre fé ortodoxa e herética, e excluir os hereges da igreja nova e purificada. Como resultado, os protestantes se viram obrigados a despender grandes esforços formulando os seus próprios credos. Embora todas estas confissões fossem valiosas em si, mesmo assim nenhuma delas poderia ser considerada o padrão absoluto da fé, esta um sinônimo da vida plena em Cristo que nunca poderia ser confinada em determinados sistemas ou credos sem provocar novas divergências.
Vale destacar que três dos principais expoentes dos primórdios da Reforma – Lutero, Zwinglio e Calvino – tornaram-se desde o início, como a história demonstra, exemplos de sectarismo e naturalmente foram seguidos ou imitados pelos seus sucessores, dando origem a divisões sem fim que se estendem indefinidamente até os nossos dias.

Pontos de divisão

Poderíamos pensar que com a Bíblia como centro do cristianismo, a unidade dos cristãos seria efetuada com facilidade. Infelizmente isso não tem ocorrido. A Bíblia é a expressão da vida e obra de Deus, e já que a “vida” é superior à sua manifestação, ela não pode ser inteiramente expressa por meio de qualquer forma lógica ou teológica. Por isso não se pode evitar que a Bíblia seja compreendida de muitas maneiras diferentes. Assim vemos como, na sabedoria de Deus, é impossível na prática fazer das Escrituras o fim, ou a autoridade final, em si próprias, pois elas apenas expressam a autoridade de Deus àqueles que vivem em comunhão com o Espírito. Devemos procurar, na dependência da operação do Espírito, entrar num relacionamento pessoal com Cristo, que é a Verdade, através da Bíblia. Pois, fora da palavra escrita e também do Espírito vivificador, não há nenhum conhecimento real da Palavra viva de Deus.
A interpretação particular das Escrituras, ou a ênfase que se dá a determinados textos, logicamente em detrimento de outros, tem sido causa frequente de divisões. As doutrinas tornam-se uma base de comunhão dentro do círculo limitado daqueles que passam a se reunir em torno delas.
Uma igreja se separa das outras, por exemplo, por causa das diferenças de opinião com respeito à forma do batismo; um outro grupo por divergências quanto à questão do uso do órgão nas suas reuniões; outro por causa da necessidade aparente das mulheres de cobrirem as suas cabeças quando oram; uns insistem em guardar a lei sobre alimentos puros e impuros. Os exemplos se multiplicam. Em comum, na origem de todos eles, vemos questões triviais com respeito a ritos formais produzindo separações. No momento seguinte, cada seita condena as demais, frequentemente denominando-as de hereges.
A igreja protestante está tão dividida que parece ser impossível realizar a sua unificação. Esta situação surgiu por causa da perda do verdadeiro centro do cristianismo e sua substituição por teologia, dogmas, credos, a Bíblia, instituições, rituais ou cerimônias. E o que é ainda pior: as divisões foram fortalecidas pela ideia, herdada da Igreja Romana, de que apenas o “grupo da gente” é que tem a fé ortodoxa, e que todos os outros grupos devem ser perseguidos por serem errados. Assim, muitos têm despendido ação vigorosa em refutar a doutrina de outras seitas e em arrastar crentes destas seitas para o seu próprio grupo.
Por que nós, cristãos, não reconhecemos o pecado desta condição e não nos arrependemos?

O verdadeiro centro do cristianismo

Compreendendo o erro do estado atual das igrejas e procurando solucionar tal situação, muitos têm tentado formar uma aliança entre todas elas, criando uma igreja ecumênica. Porém esse movimento também está obviamente destinado a fracassar. A própria tentativa de unir as igrejas provavelmente terminará apenas na formação de mais uma grande seita ou denominação, a não ser que na base dessa proposição esteja a preocupação de restabelecer o verdadeiro centro do cristianismo.
A eclésia é o corpo de Cristo (cf. Ef 1.22-23; 4.15-16; 5.23-27,32; Cl 1.18; 2.19). Como cabeça, Cristo governa, comanda e dirige seu corpo, composto de muitos membros com diferentes dons ou funções. Cada membro é ligado à cabeça diretamente, e assim todos os membros gozam comunhão uns com os outros através de sua relação com ele. Como o corpo humano não pode viver quando dividido em partes, assim também o corpo de Cristo não pode viver quando é seccionado. Uma igreja dividida não é igreja de maneira alguma no sentido neotestamentário.
O centro do cristianismo não é uma instituição nem uma organização. Nem é a própria Bíblia, como queriam os reformadores, pois a eclésia existia antes da formação do cânone do Novo Testamento. Os cristãos tinham comunhão com Deus e uns com os outros, centrando a sua fé em Cristo, muito antes de a Bíblia com a conhecemos hoje existir.
Somente há um centro no cristianismo, e este centro é comunhão espiritual com Deus por meio de Cristo – união viva com Deus em Cristo. Onde houver esta koinonia, há o corpo de Cristo, a eclésia. Onde não houver koinonia com Deus, não há eclésia, porque falta o elo vital da vida, não importa que haja excelentes líderes, muitos edifícios elegantes, muitos dogmas e credos sábios.
Somente esta união com Deus em Cristo pode ser o centro do cristianismo. As Escrituras confirmam isto, porque esta comunhão é o tema da Bíblia inteira, de Gênesis a Apocalipse. De fato, a relação entre o Pai e o Filho na eternidade, sem dúvida, era precisamente esta comunhão. E foi pensando nela que Deus criou o homem à sua própria imagem, portanto ela é o centro do relacionamento entre Deus e o homem. Privado dessa comunhão, depois da queda, Deus não hesita em enviar o seu Filho, por meio de quem a comunhão pôde ser restabelecida. Em Cristo, todos podemos ter koinonia diretamente com Deus e compartilhar da sua própria vida. Este é realmente o centro do cristianismo, e fé nada mais é do que o estado de ter esta união viva com Deus. Ou seja, fé é apenas um outro nome para comunhão.
Isso explica por que a causa primária das divisões é o institucionalismo das igrejas, que ao invés de promoverem a vida dos crentes que nelas estão, abafam-na e a expelem. O resultado é a produção de meras instituições mortas no lugar da eclésia viva. Os cristãos que tiverem realmente vida em Cristo não podem existir em tal cadáver e geralmente saem dele. Mas, lamentavelmente, na maioria dos casos, aqueles que deixam as instituições mortas simplesmente empreendem a construção de uma instituição “melhor” ou abraçam outros rituais e cerimônias, desta forma repetindo o mesmo erro. Ao invés de voltar a Cristo como o seu centro, eles procuram outra vez encontrar comunhão e segurança espiritual na mesmíssima base que já falhara.
Até mesmo o nosso entendimento do próprio Cristo não pode ser a base da união, pois ele é grande demais para ser entendido plenamente por uma só pessoa ou grupo. Nossos entendimentos limitados nem sempre coincidem. Um enfatiza este aspecto de Cristo; o outro, aquele, e isto se torna mais uma vez a causa de divisão.
A nossa comunhão com Deus em Cristo é o “propósito eterno” do Pai, e ele não pode descansar até que o veja cumprido. Quando todos os cristãos virem esta verdade, a mudança será surpreendente. Nossas práticas, evidentemente, não serão as mesmas, porque as ordens de Deus variam de acordo com os diferentes dons e chamamentos. Mas ainda que cada um seja diferente no seu modo de desempenhar a sua parte da vontade de Deus, já que o objetivo de Deus é único, todos os membros da eclésia serão unidos porque estarão fazendo a vontade do mesmo Deus, cumprindo juntos um grande propósito.

O único caminho à união

A conclusão de que a comunhão com Cristo é o centro do cristianismo pode levantar um problema na mente de alguns cristãos a respeito da importância que deve ser atribuída às doutrinas. Sondemos esse assunto observando a natureza da fé.
A fé, como é apresentada pelas Escrituras, não quer dizer fé nesta ou naquela doutrina, mas na pessoa do Cristo crucificado e ressuscitado. E tal fé no Senhor nada mais é que esta comunhão com ele, pelo Espírito que habita nos crentes. Não é apenas uma convicção, mas um relacionamento estabelecido.
Ao Juiz dos vivos e dos mortos não importa o entendimento teológico ou a exatidão doutrinária dos homens – sua obediência de coração revelará se tinham ou não fé em Deus. O Senhor os julgará unicamente pelo que eles são e pelo que fizeram, não pelo que eles conheciam e confessavam, exceto naquilo em que a confissão revela o coração.
Se doutrina for tomada como o centro, ela se torna a causa de divisões, porque ela cria a tendência de julgar a fé dos outros pelo nosso próprio entendimento. Deus deu o seu Filho na cruz não para tornar a sua redenção – ou o entendimento dela – uma condição da salvação, mas para que ela fosse a base da salvação, que é comunhão viva com ele mesmo. Se a doutrina fundamental da Redenção não deve ser transformada no centro da fé cristã, muito menos qualquer outra questão teológica.
Além disso, as doutrinas não poderão, tampouco, garantir a comunhão horizontal. A comunhão com outros cristãos é inteiramente um resultado da comunhão com Cristo, e desta forma esta koinonia com ele é verdadeiramente o centro da fé. Quando os cristãos estiverem unidos nesta simples base neotestamentária, tolerarão as diferenças de opinião e de prática em assuntos secundários. Amarão uns aos outros com o amor de Cristo, e neste amor veremos a esperança daquela unidade de todos os cristãos, a qual tanto almejamos.
A união legal da organização humana, que é frequentemente governada por homens escolhidos por métodos humanos, é substituída na eclésia pela união espiritual. Se não acharmos a satisfação através de comunhão com Deus – para a qual fomos criados – então, invariavelmente, tentaremos achar realidade e satisfação no “sistema eclesiástico” de instituições, formas e doutrinas. Faltando “vida” espiritual, viramo-nos à “religião” – o cadáver inerte.

Variedade essencial: unidade com diversidade e diversidade na unidade

Não devemos negar nem procurar evitar o fato da variedade em assuntos doutrinais e práticos. O homem é uma criação de Deus, e Deus não cria à moda de uma fábrica, por produção em massa. Por que é que pensamos que a divisão é sempre a única alternativa à uniformidade ou igualdade? As ênfases diferentes de muitas denominações não estão erradas em si. Estas mesmas diferenças beneficiariam todo o corpo se cada grupo fosse suficientemente humilde para reconhecer o valor dos demais, ao invés de fazer das suas diferenças a base de exclusivismo e separação. Ao invés de condenar ou excluir aqueles cujo conhecimento ou entendimento seja diferente do nosso, devemos amá-los, agradecendo a Deus pelo que ele nos deu através deles. No entanto, ao invés de perceber o quanto precisamos da contribuição que pode trazer à nossa fé quem é diferente de nós, temos feito das nossas próprias diferenças o ponto de união – colocando a nossa expressão particular do cristianismo no lugar de Cristo, como centro da nossa fé e comunhão. Em todo lugar vemos os crentes colocando seus próprios irmãos para fora da sua comunhão e rejeitando, condenando e desprezando aqueles em quem Cristo habita. Quão terrível aos olhos de Deus é o pecado da desobediência da ordem divina de amar todos os cristãos, não apesar das suas diferenças, mas por causa delas.

Conclusão

Sendo a eclésia um organismo, não existe um método humano capaz de produzi-lo. Vida como organismo tem sua fonte na própria vida e não numa organização. Enquanto os cristãos pensarem de si mesmos em termos de uma instituição, nunca haverá unidade em Cristo. As igrejas no seu estado atual nunca podem se unir, porque sua própria existência se baseia no princípio de divisão a fim de limitar a comunhão e distinguir visivelmente quem tem a fé de quem não a tem.
A eclésia não precisa se unir, pois sua própria existência é baseada no fato de uma unidade já existente. Essa unidade é a unidade gloriosa de todos nós formando um corpo em Cristo, o qual, pela sua própria vida, está em comunhão constante com o Cristo vivo. Se vemos essa verdade simples e maravilhosa, ousemos abandonar tudo o mais a fim de experimentá-la.

Compilado e adaptado do livro “União através de Comunhão”, de Kokichi Kurosaki, Worship Produções. Para pedidos acesse www.revistaimpacto.com

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