sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

A REFORMA DA UNIDADE DA IGREJA*








Por Pedro Arruda*

A herança mais horrível que recebemos no decorrer da história e que se acentuou depois da Reforma, chegando a ponto de desenfrear-se, foi a divisão entre os cristãos. As famosas 95 teses de Lutero, de certa forma, perderam a importância até mesmo entre seus muitos seguidores, que praticam de maneira descarada aspectos que foram nelas denunciados. Penso que uma única afirmação poderia ser pregada na porta de todos os templos cristãos, denunciando o maior erro da igreja: “Sede perfeitos em unidade para que o mundo creia”. Quando alcançarmos esta prática, o ciclo de Reforma estará completo.

No entanto, jamais devemos considerar a unidade como um elemento que podemos produzir por nós mesmos, pois ela tem o caráter e a natureza divinos, e, como tal, só Deus pode produzi-la em e entre nós. Ela é resultado de comunhão, e esta só pode ser encontrada na prática de uma só vontade: a de Deus. Assim, a prática da vontade de Deus gera a comunhão, que, por sua vez, produz a unidade.

A volta de Jesus – o maior acontecimento de toda a história ainda por vir – clama pela unidade da igreja. Temos de deixar de ser como a família em que irmãos brigados entre si visitam o pai em momentos alternados ou o procuram em lugares distintos para não correrem o risco de se encontrarem. Nestes casos, ainda que o pai trate cada um como seu filho e se mostre grato pela demonstração de carinho, não significa que esteja satisfeito com a situação de rompimento entre eles. Pelo contrário, faria tudo para vê-los unidos. Quando consideramos essa ilustração, fica mais fácil entender por que Jesus ensinou que a reconciliação entre os irmãos precede e valida a oferta a Deus (cf. Mt 5.23-24).

Viver a comunhão entre os contemporâneos de nossa geração é algo muito importante e deve ser buscado, contudo ainda é insuficiente. É necessário que se resgate a comunhão intergeracional a que se referiu Malaquias quando profetizou a “conversão do coração dos pais aos filhos e dos filhos aos pais” (Ml 4.5-6) como premissa à volta de Jesus. Muitas das divergências históricas que marcaram o cristianismo não fazem o menor sentido nos dias de hoje, já que suas razões foram há muito superadas, mas os efeitos da divisão permanecem até hoje machucando as pessoas no corpo de Cristo. Há, então, a necessidade de uma geração curada que se perceba como tal. Ela deve ter a grandeza de, com a luz maior que tem da revelação de Deus nos dias de hoje, compreender e perdoar aos pais. Assim, estará apta também a compreender seus filhos e a evitar a aparente necessidade destes de virem a praticar o rompimento geracional que tem marcado a história.

Com os corações convertidos uns aos outros, poderemos somar as conquistas das revelações e transmiti-las sadiamente de uma geração à outra, sem que neste processo se inocule o vírus da separação, malefício que sugere a necessidade de rompimento para que o novo seja praticado pela geração que o recebeu, o que invariavelmente acaba se tornando objeto de desprezo por parte da geração anterior. “Não rogo somente por estes, mas também por aqueles que vierem a crer em mim, por intermédio da sua palavra; a fim de que todos sejam um; e como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles em nós; para que o mundo creia que tu me enviaste” (Jo 17.20-21). Nesta oração, Jesus pediu pela comunhão entre as gerações, pois rogou por aqueles que estavam naquele momento com ele e também pelas sucessivas gerações que viessem a crer através da mesma palavra, conciliação que daria a uns e outros um só coração numa unidade histórica.

Ouso dizer que a razão para a existência da igreja é a de manifestar a comunhão da Trindade entre os homens: “Eu lhes tenho transmitido a glória que me tens dado, para que sejam um, como nós o somos; eu neles, e tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conheça que tu me enviaste e os amaste, como também amaste a mim” (Jo 17.22-23).

Trabalhar a favor da unidade alicerçada na comunhão é próprio da natureza de Deus. Quando ela prevalece, a vitória é do Senhor. Entretanto, sempre que permitimos que a divisão se estabeleça, não há outro vitorioso a não ser o diabo, pois isso é próprio de sua natureza demoníaca.

Ainda que consideremos que possamos exercer um ministério mais dinâmico e com produtividade muito maior, isso não serve de justificativa para a divisão. Ora, o próprio Deus, que poderia fazer tudo mais rapidamente, preferiu fazer junto. Assim, a natureza da igreja não é fazer mais, mas fazer junto. Ou seja, uma prática constante de comunhão.

Há quatro coisas básicas que foram se perdendo ao longo do tempo, nas quais a igreja nascente de Jerusalém perseverava: doutrina dos apóstolos, comunhão, partir do pão e oração. A Reforma Protestante revalorizou a Palavra; o Movimento Pentecostal, a oração, especialmente a coletiva; agora é o tempo de a comunhão ressurgir e ser cristalizada como um elemento distinto e presente em todas as atividades para que o partir do pão sobre a mesa do Senhor se torne o alimento da nossa unidade. Seremos um com o Senhor e o mundo terá, então, em que crer!

* O texto integral, sob o mesmo título, de onde o presente artigo foi retirado, figura nas conclusões do recém-publicado “A comunhão nossa de cada dia: a reforma da unidade da igreja”, CCC Edições. Para adquiri-lo, acesse www.gruponews.com.br.


Importante: Este e os próximos posts, originalmente publicados na edição do jornal Grupo News de dezembro de 201o abordarão, como tema principal, a necessidade de aproximação entre segmentos do Corpo de Cristo hoje separados. Por conseguinte, uma palavra, ainda que em alguns momentos apenas indiretamente inferida, é quase incontornável: “ecumenismo”. Para dirimir qualquer eventual equívoco que venha a provocar, em virtude de associações censuráveis que costuma trazer à lembrança dos cristãos, antecipamos o sentido com que está sendo considerada, sobretudo relacionada aos ministérios de Matteo Calisi e padre Marcial Maçaneiro: descreve o esforço para unir, com base em comunhão, pessoas de diferentes denominações que centralizam sua fé em Cristo Jesus e, consequentemente, relegam a um segundo plano posições doutrinárias não essenciais que são normalmente o motivo de sua separação. Não se objetiva uma união institucional em que diferentes comunidades confundam-se ou absorvam-se reciprocamente, mas uma convergência em Cristo que favoreça a partilha fraterna do discipulado do Evangelho, tendo claro que a unidade do Corpo de Cristo é um dom do Espírito para a Igreja, a expressão da natureza da Trindade Eterna e, consequentemente, a grande fomentadora de fé nos que ainda não creem.

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